
Salvador completou no último domingo (6) 60 dias de greve das professoras e professores da rede municipal. São dois meses sem aulas, sem creches funcionando, milhares de famílias privadas de um direito essencial. Mas o maior absurdo não é apenas o tempo parado: é o motivo da paralisação. O prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil) se recusa a pagar o piso salarial nacional do magistério, previsto em lei federal. Trata-se de um valor mínimo, e ainda assim muito abaixo do que se deveria pagar a quem educa e forma cidadãs e cidadãos.
De acordo com a própria prefeitura, a rede municipal de Salvador conta com 415 escolas e creches, que atendem cerca de 131 mil estudantes. Segundo a última atualização da Secretaria Municipal da Educação (Smed), 138 unidades estão totalmente paralisadas, enquanto 189 funcionam de forma parcial e apenas 79 mantêm as aulas normalmente.
É uma barbaridade, não há outra palavra para definir a postura de um prefeito contra trabalhadoras e trabalhadores da educação. Em vez de diálogo e valorização, o que estamos vendo são punições arbitrárias: descontos salariais, ameaças de corte de ponto, intimidação. Professoras relatam ter ficado com salários aviltados, sem condição de pagar contas básicas. Tudo porque decidiram exercer seu direito legítimo à greve.
E a brutalidade não parou aí. Em pleno 2 de Julho, data símbolo da luta pela Independência da Bahia, professores e professoras foram agredidos por seguranças disfarçados de apoiadores do prefeito, ao protestarem em frente à Igreja do Rosário dos Pretos, um espaço histórico de resistência negra. Uma professora, Analia Santana, foi empurrada e jogada no chão enquanto segurava um cartaz onde estava escrito: LUTAR NÃO É CRIME.
A confusão foi iniciada por apoiadores do prefeito, que provocaram o confronto em um protesto até então pacífico. Entre os envolvidos, já identificados, estão Sandro Marim e Davidson Araújo, ligados ao vereador Cláudio Tinoco (União Brasil), com atuação no bairro de Canabrava.
Que noção de democracia é essa em que o poder municipal responde com violência a quem apenas reivindica direitos?
É preciso dizer que essas professoras são, em sua maioria, mulheres negras. São elas que garantem o funcionamento das escolas e creches onde estudam, sobretudo, crianças negras de bairros populares. São elas que permitem que outras mulheres negras possam sair para trabalhar. Mas para esse prefeito, parece que o trabalho delas não vale o piso mínimo, não vale respeito.
Talvez, mas só talvez, essa escolha do prefeito tenha tudo a ver com o racismo que marca Salvador. Uma cidade negra, governada por quem enxerga a educação pública como um gasto, não como investimento. Afinal, para quem serve a escola pública? Quem mais precisa de creche? Quem sofre quando ela fecha?
O prefeito Bruno Reis não age sozinho. Ele é parte do mesmo grupo político que historicamente governou a Bahia com mão de ferro, a exemplo do carlismo, cuja marca foi a truculência, a perseguição, a violência contra quem ousasse questionar. Hoje, vemos esse mesmo estilo se repetir: na recusa em negociar, no desrespeito à lei, na violência contra professoras em ato público. Bruno Reis se coloca como herdeiro político de ACM Neto, e não é por acaso. Reproduz a mesma lógica autoritária, que busca calar a voz do povo.
Para completar o absurdo, o prefeito adora repetir que é “Menino do Calabar”. Vale perguntar: quem formou esse menino? Quem o ensinou a ler, escrever, pensar? Foi uma professora! Ou melhor, muitas professoras. Professores que hoje ele despreza, maltrata, agride e deixa com salários cortados.
Por tudo isso, dizemos com todas as letras: PREFEITO, RESPEITE AS PROFESSORAS DE SALVADOR!
Pagar o piso é o mínimo. Valorizar quem educa nossas crianças é obrigação. Garantir diálogo, respeito e dignidade a quem trabalha na educação é condição básica para governar a maior cidade negra do Brasil.
Enquanto mulheres negras, mobilizadas na 13ª edição do Julho das Pretas, rumo à 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras (que acontecerá em novembro, em Brasília), afirmamos nosso apoio irrestrito às professoras e professores de Salvador. Denunciamos a truculência e a violência da gestão Bruno Reis, e questionamos se ele tem condições políticas e morais para seguir governando esta cidade. Quem desrespeita as educadoras e educadores de Salvador desrespeita a própria Salvador.
Neste 25 de julho, Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, acontece em Salvador a Marcha das Mulheres Negras da Bahia por Reparação e Bem Viver, com concentração às 14h, na Praça da Piedade. Queremos, com respeito e solidariedade, compartilhar este convite com as professoras e educadoras da nossa cidade, para que saibam que este é também um espaço de escuta, acolhimento e luta por direitos. Um momento para refletirmos coletivamente sobre o que significa Reparação em uma cidade marcada por tantas desigualdades, e sobre como construir o Bem Viver que todas merecemos, pois sabemos que a pauta da educação está profundamente ligada a essas ideias.
Que essa marcha seja, para quem desejar e puder estar presente, um encontro de vozes diversas, professoras, mães, trabalhadoras, estudantes… dispostas a reafirmar que Salvador precisa de respeito, justiça e compromisso real com quem faz educação todos os dias.